segunda-feira, 24 de maio de 2010

As Ruas de Coral Gables

Impelido por razões da natureza eminentemente familiar, tive de me transferir do Rio para os Estados Unidos há coisa de dois anos. Depois de um período probatório em Connecticut, onde convivi com as pessoas mais educadas e gentis que já conheci em toda a minha vida e precisei, em contrapartida, enfrentar e sobreviver ao mais rigoroso inverno das últimas décadas, acabei me mudando para a Flórida. Não posso me queixar, pois encontrei em Coral Gables, onde me instalei em caráter provisório e Miami Beach, onde me encontro atualmente, um clima bastante parecido ao do Rio, cidade que elegi para viver e trabalhar quando saí do meu saudoso Rio Grande do Sul, lá se vão algumas décadas. Coral Gables, do ponto de vista legal, é uma cidade, mas poderia ser considerada um bairro de Miami, pois uma nada mais é do que o prolongamento da outra. Quem já esteve em Miami sabe que os nomes de suas ruas e avenidas foram estabelecidos por uma associação progressiva de números (1,2,3...) e pontos cardiais (Norte, Sul, Leste e Oeste) cuja contagem se inicia em um cruzamento formado pela Flager Street e a Miami Avenue. A Flager é, ou era, à época da fundação de Miami, sua rua principal, correndo na direção Leste-Oeste e repartindo a cidade nas porções Norte e Sul. Já a Miami Avenue, que forma o eixo vertical dessa gigantesca cruz, divide a cidade nas partes Leste e Oeste. Parece lógico, mas cria uma confusão danada na cabeça dos latinos na hora de procurar algum endereço, acostumados que estão a conhecer suas ruas e avenidas por nomes próprios. Talvez os moradores de Brasília se sintam em casa no meio dessa confusão de números e pontos cardiais. Coral Gables fugiu, em parte, a essa regra, pelo menos no que tange aos nomes de suas ruas, pois as Avenidas continuam sendo conhecidas pelos números e localização geográfica, aos quais foram sendo acrescentados, com o passar do tempo, nomes de heróis americanos e latinos. Ou seja, para complicar a vida dos forasteiros, as Avenidas passaram a receber dupla denominação. Certo? Errado. Na realidade, as Avenidas de Miami possuem três nomes distintos, pois também são conhecidas por seus apelidos, relativos a cores, animais ou outros, como as importantes Red Road, Bird Road, Coral Way ou a famosa Calle Ocho, centro cultural, social e gastronômico da coletividade cubana radicada na cidade. Coral Gables é diferente, pois foi inteiramente planejada pelo empresário que adquiriu uma vasta área de terras pantanosas, drenou-as, construindo rios e canais artificiais e dividiu-a em lotes destinados às áreas residenciais e públicas. Isso lá pelos anos 20 do século passado. Mandou construir, no centro do novo loteamento, um magnífico hotel, o Biltmore, famoso no mundo todo e conectou-o ao mar por um canal por onde navegavam nada menos do que gôndolas venezianas autênticas, trazidas da Itália. Como em qualquer emprendimento particular, seu proprietário julgou-se no sagrado direito de batizar "suas" ruas com os nomes que mais lhe aprovessem. A Flórida, que alguns latinos continuam chamando de florida, com o acento no i, como em uma paróxítona, foi conquistada pelo navegador espanhol Ponce de Leon e seu nome figura em uma das duas avenidas mais importantes de Coral Gables, paralela à "Le Jeune" que, em bom francês, deveria ser pronunciada com os lábios em bico, mas que os americanos simplificaram para "Le June", o que deve fazer com que muitos gauleses se retorçam de raiva. Tirando a Ponce de Leon e a Le Jeune, todos os demais logradouros de Coral Gables foram batizados com nomes de cidades da Espanha. Ou melhor, que seus fundadores julgavam ser de localidades espanholas. Não sei se faltou um bom atlas ou os conhecimentos históricos e geográficos dos pioneiros eram limitados, mas é possível encontrar, ao lado de avenidas com nomes 100% hispânicos, como Malaga, Santander ou Toledo, estranhas denominações de localidades supostamente ibéricas, o que além de aguçar minha curiosidade acabou me estimulando a redigir o presente texto. Como o espaço no Blog é limitado e foi quase todo gasto nessa indispensável explicação introdutória dedicarei o próximo para ilustrar com alguns exemplos o que me levou a escolher "As Ruas de Coral Gables" como título para o meu comentário.

3 comentários:

  1. Quero comentar. Será que meu comenta´rio de ontem FICOU POSTADO ?

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  2. Andei estudando, por paixão, a Cidade. Em Porto Alegre, o meu bairro primeiro, o Bom Fim. Mas ainda antes, quando das caminhadas juvenis, e as descobertas encantadas como se pela primeira vez visse a arquitetura das casas antigas, das ruas do centro - fui ouvir o Arquiteto Günter Weimer. Ele contava como pesquisou o estilo da arquitetura brasileira, identificada como portuguesa, colonial e tal. Precisando achar outras influências foi-se à África e desenhou, pasmem, DESENHOU!!! as casas que encontrava. De forma que conseguia identificar a origem das casas populares brasileiras e até de qual país da África tinham vindo seus construtores. Entre essas encontrou a origem das varandas colocadas ao redor ou na frente das casas, que tem a função de ventilar e refrescar seu interior, criando mais espaço de sombra ao espichar os telhados para cobrir essas varandas. Descobriu ele, também, algumas casas sem janelas mas com um vão aberto, sem forro. Como o ar quente sobe, este vão da mesma maneira tem a função de refrescar o ambiente. Diz o professor que janelas são herança européia, que não podemos pensar nelas como "naturais" ou que não se possa viver sem elas. São como tudo, culturais, portanto historicamente inventadas.
    Bem, próxima vez conto do Bom Fim
    Abraços calorosos e carinhosos (sera´que cabe dizer isso num blog?)

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  3. Fani, que texto bom!
    Deu para viajar até a África e imaginar perfeitamente essas casas com varandas e vãos para refrescar.
    Tenho umas fotos de Porto Alegre e vou postar uma hora dessas.

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